A "Gran Abuelo", uma árvore de 5,4 mil anos encontrada no sul do Chile, ajuda pesquisadores a compreenderem as mudanças climáticas. Mas um projeto de rodovia agora ameaça sua existência e o ecossistema ao seu redor
Arthur Barciela pimenta,João Pedro Luna Sanches Santos e Patryk Nachpitz Wowczyk.Fonte:g1.globo.com
Em:30/04/2025

Árvore Gran Abuelo Chile
imagem: actu.fr
Impérios surgiram e caíram, línguas nasceram e foram esquecidas, mas a "Gran Abuelo", ou "bisavô", em português, uma árvore
chilena de 5,4 mil anos, resistiu ao tempo. Após milênios, porém, ela e outras
árvores de sua espécie agora estão ameaçadas por um projeto que prevê a
construção de uma rodovia que cortaria a floresta onde vivem.
Jonathan
Barichivich, um cientista ambiental chileno que trabalha na França, cresceu na
floresta de clima úmido e temperado que hoje é protegida pelo Parque Nacional Alerce Costero, no sul
do Chile. Foi lá que seu avô, Aníbal, descobriu a árvore Gran Abuelo em 1972
enquanto trabalhava como guarda florestal.
Ele conta que aquele
momento mudou o curso da história da árvore e de sua família.
"Dei meus primeiros passos nesta floresta com meu
avô. Ele me ensinou os nomes das plantas antes mesmo que eu soubesse ler",
lembra Barichivich. "As memórias da minha infância são o combustível da
minha paixão científica."
Agora, Barichivich e
sua mãe, junto com uma equipe de pesquisadores, trabalham para desvendar os
segredos armazenados na Gran Abuelo e em outras árvores da região. O objetivo
da pesquisa é expandir o conhecimento científico sobre mudanças climáticas e encontrar novas pistas de como combatê-las.
Não apenas antiga, mas guardiã dos padrões climáticos
As árvores de alerce desta floresta, uma espécie
de conífera também conhecida como cipreste da Patagônia, ou Fitzroya cupressoides, não apenas vivem mais tempo do que a maioria das
plantas. Elas também são uma das espécies mais sensíveis às mudanças climáticas
no mundo.
Para determinar a
idade de uma árvore, cientistas usam uma ferramenta chamada trado para extrair
uma amostra do tronco e contar o número de anéis formados ao longo do tempo.
Cada anel corresponde a um ano de vida.
No caso da Gran Abuelo, porém, o diâmetro do tronco
é muito extenso e a árvore já perdeu parte de seu núcleo, que se deteriorou ao
longo do tempo. Com isso, diferente de outras árvores milenares conhecidas, o
exemplar chileno precisou contar com um modelo estatístico para projetar o
número total de anéis que teria e estimar sua idade.
Por isso, há debate
na comunidade científica sobre qual árvore seria a mais antiga – se a
conífera chilena ou um pinheiro encontrado nas Montanhas Brancas da Califórnia,
nos EUA, cujo núcleo intacto permitiu contabilizar sua idade exata, de quase
4,9 mil anos.
No entanto, a idade
avançada de árvores como a Gran Abuelo permite uma reconstrução não apenas de
sua idade, mas também de padrões climáticos que remontam a milhares de anos.
Dados deste tipo não são facilmente coletados em outras espécies da região.
"Elas são como
enciclopédias", disse Rocio Urrutia, uma cientista chilena que estuda
essas árvores há décadas. Sua pesquisa com a Fitzroya ajudou a reconstruir
registros de temperatura da terra de até 5.680 anos atrás.
O estudo das árvores
desta espécie também permite aos cientistas medirem quanto de carbono a
floresta absorve e emite. Quanto mais a árvore cresce, maior será o espaço
entre cada anel. E mais crescimento significa mais captura de carbono.
Essas análises são essenciais para entender como
as florestas respondem ao aquecimento global. E, mais importante, permitem
criar projeções sobre se as florestas serão capazes de continuar a desacelerar
o aquecimento do planeta em um futuro mais quente.
Uma nova estrada ameaça a floresta
No entanto, essas
árvores centenárias estão sob ameaça. O governo chileno propõe avançar com um
projeto discutido desde 2008 para reabrir uma antiga estrada madeireira que
corta o Parque Nacional Alerce Costero.
Autoridades
regionais querem apresentar um novo estudo de impacto ambiental para destravar
o megaprojeto. Segundo o governo, a rodovia conectaria cidades e impulsionaria
o turismo na região. No entanto, críticos veem a justificativa como uma cortina
de fumaça.
De acordo com
o Movimento pela Defesa do Alerce
Costero, a estrada tem o objetivo de "extrair o lítio na
Argentina, levá-lo ao Chile por via terrestre e exportá-lo pelo Oceano
Pacífico", conforme indicou a plataforma chilena dedicada a causas do povo
Mapuche Ad Kimvn ao lançar uma campanha contra a construção da estrada.
"Esse projeto significaria a morte imediata de 850
Lahual (Alerces) de diferentes idades e a deterioração do habitat de outros
4308", afirmou o Movimento.
Barichivich também
refuta o argumento de que a rodovia seria usada para conectar municípios. Para
ele, a estrada seria usada para abrir acesso ao transporte de madeira.
Segundo o
pesquisador, a nova estrada ligaria diretamente ao porto de Corral, usado por
um dos maiores
exportadores de celulose da América Latina. As árvores de alerce presentes na região são altamente valiosas devido
à sua madeira durável, de alta qualidade e de crescimento reto.
Pesquisadores como
Rocio Urrutia também alertam que a estrada aumentaria o risco de incêndios
florestais.
Na região, mais de
90% das queimadas começam perto de estradas. Esse é um fenômeno global. Na Amazônia,
por exemplo, quase 75% dos incêndios começam a menos de cinco quilômetros de
uma estrada, e nos Estados Unidos, 96% começam a
menos de 800 metros.
"O alerce é uma
espécie ameaçada de extinção", disse Urrutia. "Cada árvore individual
conta. Um grande incêndio poderia eliminar as últimas populações."
Resistindo para salvar árvores e ecossistemas
Os cientistas
recorreram à revista Science, uma das principais publicações acadêmicas do mundo, para alertar sobre
o perigo.
Suas descobertas —
respaldadas por anos de dados — foram condensadas em um único relatório,
publicado como uma carta.
Mas, "não foi
apenas uma carta," disse Urrutia. "Foram anos de pesquisa, trabalho
de campo e envolvimento com a comunidade."
Isso ressoou na
comunidade científica global, levando pesquisadores do mundo todo a se
manifestarem. Combinado à pressão dos moradores locais, foi suficiente para
fazer o governo recuar temporariamente do projeto.
Para Barichivich,
também foi algo profundamente pessoal.
"Minha mãe
caminha por essa floresta toda semana há anos, coletando dados. O trabalho dela
se tornará o conjunto de dados contínuo mais longo desse tipo no Hemisfério
Sul, fornecendo
informações valiosas para cientistas de todo o mundo. Está tendo um impacto que nunca poderíamos ter imaginado."
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| Árvore Gran Abuelo Chile imagem: actu.fr |
Jonathan
Barichivich, um cientista ambiental chileno que trabalha na França, cresceu na
floresta de clima úmido e temperado que hoje é protegida pelo Parque Nacional Alerce Costero, no sul
do Chile. Foi lá que seu avô, Aníbal, descobriu a árvore Gran Abuelo em 1972
enquanto trabalhava como guarda florestal.
Ele conta que aquele
momento mudou o curso da história da árvore e de sua família.
"Dei meus primeiros passos nesta floresta com meu
avô. Ele me ensinou os nomes das plantas antes mesmo que eu soubesse ler",
lembra Barichivich. "As memórias da minha infância são o combustível da
minha paixão científica."
Agora, Barichivich e
sua mãe, junto com uma equipe de pesquisadores, trabalham para desvendar os
segredos armazenados na Gran Abuelo e em outras árvores da região. O objetivo
da pesquisa é expandir o conhecimento científico sobre mudanças climáticas e encontrar novas pistas de como combatê-las.
Não apenas antiga, mas guardiã dos padrões climáticos
No entanto, a idade
avançada de árvores como a Gran Abuelo permite uma reconstrução não apenas de
sua idade, mas também de padrões climáticos que remontam a milhares de anos.
Dados deste tipo não são facilmente coletados em outras espécies da região.
O estudo das árvores
desta espécie também permite aos cientistas medirem quanto de carbono a
floresta absorve e emite. Quanto mais a árvore cresce, maior será o espaço
entre cada anel. E mais crescimento significa mais captura de carbono.
No entanto, essas
árvores centenárias estão sob ameaça. O governo chileno propõe avançar com um
projeto discutido desde 2008 para reabrir uma antiga estrada madeireira que
corta o Parque Nacional Alerce Costero.
Autoridades
regionais querem apresentar um novo estudo de impacto ambiental para destravar
o megaprojeto. Segundo o governo, a rodovia conectaria cidades e impulsionaria
o turismo na região. No entanto, críticos veem a justificativa como uma cortina
de fumaça.
Barichivich também
refuta o argumento de que a rodovia seria usada para conectar municípios. Para
ele, a estrada seria usada para abrir acesso ao transporte de madeira.
Segundo o
pesquisador, a nova estrada ligaria diretamente ao porto de Corral, usado por
um dos maiores
exportadores de celulose da América Latina. As árvores de alerce presentes na região são altamente valiosas devido
à sua madeira durável, de alta qualidade e de crescimento reto.
Pesquisadores como
Rocio Urrutia também alertam que a estrada aumentaria o risco de incêndios
florestais.
Na região, mais de
90% das queimadas começam perto de estradas. Esse é um fenômeno global. Na Amazônia,
por exemplo, quase 75% dos incêndios começam a menos de cinco quilômetros de
uma estrada, e nos Estados Unidos, 96% começam a
menos de 800 metros.
"O alerce é uma
espécie ameaçada de extinção", disse Urrutia. "Cada árvore individual
conta. Um grande incêndio poderia eliminar as últimas populações."
Resistindo para salvar árvores e ecossistemas
Os cientistas
recorreram à revista Science, uma das principais publicações acadêmicas do mundo, para alertar sobre
o perigo.
Suas descobertas —
respaldadas por anos de dados — foram condensadas em um único relatório,
publicado como uma carta.
Mas, "não foi
apenas uma carta," disse Urrutia. "Foram anos de pesquisa, trabalho
de campo e envolvimento com a comunidade."
Isso ressoou na
comunidade científica global, levando pesquisadores do mundo todo a se
manifestarem. Combinado à pressão dos moradores locais, foi suficiente para
fazer o governo recuar temporariamente do projeto.
Para Barichivich,
também foi algo profundamente pessoal.
"Minha mãe
caminha por essa floresta toda semana há anos, coletando dados. O trabalho dela
se tornará o conjunto de dados contínuo mais longo desse tipo no Hemisfério
Sul, fornecendo
informações valiosas para cientistas de todo o mundo. Está tendo um impacto que nunca poderíamos ter imaginado."
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